"A scientist shouldn't be asked to judge the economic and moral value of his work. All we should ask the scientist to do is find the truth - and then not keep it from anyone." Arthur Kornberg

quinta-feira, julho 13, 2006

O que fazem um bioquímico e um enzima - numa tarde de Verão!

Um bioquímico, como cientista que é, não pode fazer muito mais que usar modelos que permitam explicar as observações que faz. Como qualquer outro cientista. Um homem observa que uma maçã cai para baixo e nunca para cima. Interroga-se porquê – mas não sabe (provavelmente nunca saberá por que é assim). O mais que pode é imaginar uma força (a que chamará gravítica) que puxa a maçã para baixo, e não para cima. Um bioquímico não está muito interessado numa maçã... mas poderá estar interessado no comportamento de um enzima, por exemplo. O que não deixa de ser curioso é que o primeiro homem pode imaginar que a mesma força puxa o enzima para baixo, dentro de uma célula – é bom que não estejamos parados; na verdade há muito mais a ser puxado para baixo para além do enzima... há outras proteínas, há as próprias células que são também puxadas para baixo (para o limbo de um vaso sanguíneo, por exemplo) e há todos os fluídos, dentro de um corpo, que também são puxados para baixo por essa força que o homem imaginou e a que chamou gravítica...

Mas um bioquímico pode, se lhe apetecer, interessar-se pelo comportamento de um enzima. Muito bem: o comportamento em relação a quê? Bom, o que é que faz um enzima? Aliás, mais importante... o que é um enzima? A resposta mais simples poderá ser a que geralmente aparece nos livros de texto, não há muito a fazer em relação a isso: um enzima é, na maior parte dos casos, uma proteína, um aglomerado de átomos para o qual identificámos uma determinada função (os seres humanos gostam sempre de encontrar finalidades para tudo...). Há uns outros aglomerados de átomos, mas com um arranjo diferente, os ácidos ribonucleicos, que por vezes apresentam actividade catalítica (há quem lhes chame ribozimas) mas isto é apenas terminologia, por uma questão de orientação. De maneira que, grosso modo, lá definimos enzima. Agora o que é que ele faz? Como disse no post anterior, um enzima é um catalisador biológico. Como tal, entra e sai da reacção que catalisa perfeitamente na mesma e – mais importante que tudo – não altera o equilíbrio. Isto quer dizer que não altera a expontaneidade da reacção, a única coisa que faz é com que ela ande mais depressa, ou seja: a ponte 25 de Abril, entre Almada e Lisboa, tem um comprimento de aproximadamente 3 km. Podemos passar a ponte a 50 km/h ou a 100 km/h, a ponte não vai a lado nenhum e as localidades também não! A única coisa que muda é a rapidez com que chegamos ao outro lado. O enzima é o nosso carro. Por muito grande que seja a nossa vontade de chegar ao outro lado, se formos a pé de certesinha que levamos uma eternidade a atravessar a ponte... se formos “catalisados” por um carro chegamos à outra margem muito mais rápido (e a nossa vontade é a mesma!). E pronto, é a mesma coisa com uma reacção catalisada por um enzima. Mas aqui a “vontade” é a tendência para a ocorrência da reacção (medida pelo delta da mesma: quanto mais negativo [considerando o sentido directo da esquerda para a direita] maior a tendência). Essa tendência não muda com a presença do enzima, mas a reacção “anda” mais depressa. Por isso se diz que um catalisador não interfere com o equilíbrio da reacção.

Agora vamos ao comportamento. Um enzima não se comporta bem nem mal... isso são conceitos maniqueístas, não servem para enzimas! Então o que é isso, “comportamento de um enzima”? Será que os enzimas têm livre arbítrio? Não me parece muito plausível... são aglomerados de moléculas, lembram-se? Bem. O comportamento de um enzima é medido pela capacidade que ele tem para fazer o seu trabalho – a catálise. Reparem, um enzima não é bom nem mau em relação a outro. Simplesmente é mais ou menos eficaz por comparação. Um enzima com metade da eficácia de outro não é “pior”, é simplesmente “menos trabalhador” (para um determinado substrato). Esta capacidade de trabalho é geralmente medida por uma constante cuja origem será explicada mais à frente: o número de turnover, kcat. Quanto maior for esta constante para um determinado enzima, maior é a sua capacidade de converter substrato em produto. Esta capacidade está relacionada com a rapidez com que o enzima catalisa a conversão mencionada – logo, pode estar associada ao número de centros activos do enzima (um enzima pode ter mais do que um centro activo – centro activo é o que um bioquímico chama ao local de ligação do substrato no enzima) ou à afinidade do enzima para um determinado substrato. No entanto é preciso ter cuidado com as palavras... é que afinidade e eficiência podem ser coisas diferentes consoante os ouvidos que as ouvem. E selectividade... Mas isso fica para uma outra história. Modelos de comportamento serão, em princípio, o tema do próximo episódio. J