Um pouco de cinética química…
Há algumas definições às quais não podemos dar a volta, por mais que queiramos. O nosso nome, por exemplo, é uma definição: é-nos dado quando nascemos e, salvo raras excepções, ninguém o muda no curso da sua vida. Dizer que “1 mais 1 são 2” também parece ser uma regra bem estabelecida; sabemos que 1 é a unidade e sabemos que se juntarmos uma unidade com outra obtemos duas unidades e, se lhes juntarmos mais uma, ficamos com três e assim sucessivamente. Claro que, a partir de um conjunto simples de regras, rapidamente encontramos mais regras, derivadas das associações entre as primeiras. Assim, podemos dizer que se, em vez de uma unidade, juntarmos duas unidades a outras duas, obtemos certamente quatro unidades e se juntarmos três unidades a outras três obtemos seis unidades e por aí fora. A palavra “juntar” pode ser substituída pela palavra “adicionar” e, daqui – se quisermos dar um nome à regra – chamamos-lhe regra da adição. Desta regra, no entanto, podemos tirar mais: é que adicionar uma unidade a outra significa adicionar duas vezes a mesma unidade. Adicionar duas unidades a outras duas significa adicionar duas vezes duas unidades. E, bem, só para ser diferente, se adicionarmos três unidades a outras três unidades e a mais outras três unidades significa adicionarmos três vezes três unidades. Daqui tiramos uma outra regra a que chamamos regra da multiplicação. Na verdade verificamos que a multiplicação é um caso especial da adição. Mais ainda, a exponenciação é um caso especial da multiplicação: se multiplicarmos um número a n vezes é o mesmo que elevarmos a ao expoente n, an. Isto, claro, não tem aparentemente nada a ver com cinética química porque as pessoas às vezes se esquecem de que, no que toca ao conhecimento, tudo tem a ver com tudo. Ora, tudo em ciência se monta com base na experimentação e acontece que dois senhores cientistas, Waage e Guldberg (1864) descobriram (trocando por miúdos) que a velocidade com que uma reacção se dava era directamente proporcional à concentração dos reagentes, ou seja, que se tivermos uma reacção do tipo A + B à C + D, a velocidade, v, de formação de C e D é dada por
v = k × [A] × [B] ,
onde k é uma constante, a que chamamos cinética (que vem de velocidade). Note-se: isto é uma observação experimental, não é nada inventado. O que é inventado são os símbolos A, B, etc., que servem para nossa orientação. E pronto, achou-se uma regra, como aquelas dos números, e deu-se-lhe o nome “Lei da Acção de Massas”. Também podemos escrever esta lei para a decomposição de C e D, que leva um sinal “menos” porque a outra levou um sinal “mais” invisível (novamente para nos orientarmos):
À medida que o tempo passa, no caso de C, por exemplo, há decomposição de A e B (com formação de C) mas também há decomposição de C. No início, é claro, a formação de C é mais intensa do que a sua decomposição (a velocidade de formação é maior que a velocidade de decomposição). Mas a certa altura as velocidades acabarão por ser iguais – o sistema dir-se-á estar em equilíbrio. Isto é muito importante porque, quando a Natureza descansa, nós podemos olhar para ela mais calmamente. Podemos expressar a variação da concentração de C no sistema por d[C]/dt e escrever:
No equilíbrio, dado que a formação e a decomposição de C têm velocidades iguais, a variação da concentração de C é nula: d[C]/dt = 0. Assim, temos:
k × [A] × [B] – k’ × [C] × [D] = 0 .......ó
e definimos uma nova constante, Keq, à qual damos o nome de constante de equilíbrio. Com estas definições em mente torna-se mais fácil explicar cinética enzimática. Não falei ainda de modelos de comportamento porque achei necessária uma pequena introdução de cinética química antes de explicar o comportamento dos enzimas. Fica ainda muito por dizer sobre este tópico mas para já estes conceitos são os mais essenciais. Até à próxima.